Antropologia do Consumo

O que leva uma pessoa a tatuar uma marca

            Estrelas, sóis, luas. Ideogramas, iniciais, versículos. Gatos, carpas, dragões. As tatuagens estão em todas as partes do mundo e do corpo. Desde as mais simples até as mais ousadas, os desenhos estão cheios de significados, óbvios ou latentes, e são uma forma de expressar sua personalidade. Porém, nos últimos anos, uma nova tendência surgiu: as pessoas começaram a tatuar logomarcas. O fenômeno começou a ser analisado por sociólogos, mesmo apesar dos poucos dados concretos (pesquisas).
            Em sociedades primitivas, tatuagens mostravam o status de cada indivíduo na comunidade onde viviam, tinham motivos religiosos, funcionavam como ritual de passagem e eram muitas vezes obrigatórias. Os registros mais conhecidos de tatuagens são oriundos dos registros dos contatos do capitão inglês James Cook com nativos do Taiti. Os desenhos no corpo ficaram muito populares entre marinheiros, o que deu um caráter marginal à tatuagem. Foi em torno da década de 1950 que as tatuagens deixaram de ser marginalizadas e assumiram um caráter de expressão pessoal e individualidade. Desde então, as tatuagens se tornaram cada vez mais comuns e criativas.
            Mas o que leva uma pessoa a tatuar uma logomarca? Amor à marca e aos seus produtos pode ser um dos principais motivos. Sabemos também que as marcas de hoje não querem apenas criar produtos: querem criar personalidade. E muitas vezes é indo atrás dessa personalidade que algumas pessoas buscam imprimi-la em seus corpos através de tatuagens com a logo de uma empresa que ela acredita ter essa tão desejada personalidade.
            A tatuagem pode ser uma forma de autoexpressão, e é nesta busca de uma voz própria que certas pessoas podem desenhar para sempre em seu corpo a logo de uma empresa, mas indo além de uma declaração de amor ou lealdade a esta marca (e tampouco qualquer forma de contestação ou rebeldia contra a sociedade), e sim como uma declaração a todo o mundo sobre seu lifestyle, sua filosofia de vida. O que importa, neste caso, é o que a marca representa e não os produtos que ela vende.
            Talvez isto esteja se tornando um fenômeno cada vez mais comum em nossa sociedade pós-moderna (e quem sabe não foi à toa que as tatuagens se tornaram mais comuns a partir da década de 1950), devido a falta de objetivos ou de um fator agregador entre as pessoas ou comunidades - até mesmo a falta de uma comunidade - e esses espaços parecem estar sendo preenchidos pelo consumismo e pelas empresas que o proporcionam, nos abarrotando de produtos e promessas que provavelmente não serão cumpridas para que possamos ir em busca de mais produtos para consumir.
Além de pura e simples expressão, pode ser que estas tatuagens sejam uma busca e/ou um reforço de uma imagem. Seja a razão primordial desta imagem convencer a si mesmo ou convencer as outras pessoas. Colando em si mesmo, irrevogavelmente, um sentido ou ideologia – se é podemos chamar assim – que se deseja seguir.
            Pode-se dizer também que o ato de tatuar a logo de uma empresa é uma aceitação do discurso hegemônico da Indústria Cultural. Essas pessoas tentam se expressar pela forma como consomem e através do que consomem, e é por esse consumo que buscam sua individualidade, mesmo sabendo que há vários outros produtos iguais e que a marca que produz esses produtos é também consumida por várias outras pessoas, o que nos leva a negar a idéia de que estejam expressando uma autêntica individualidade, mas sim uma internalização de toda a lógica e ideologia da Indústria Cultural (Adorno e Horkheimer).
            Indo na contramão das idéias que, de uma forma ou de outra, incluem o fator “individualidade” entre as razões para se ter uma logo tatuada na pele, há a possibilidade de que isto não tenha nada a ver com individualidade. A motivação da tatuagem pode até ser a busca da individualidade, mas não passa de uma ilusão criada pelas empresas em seus constantes esforços de dominação e expansão, enquanto dizem estar vendendo individualidade. Neste caso é a noção de tribo ou grupo que motivou a tatuagem. Uma noção de pertencimento. Ou talvez apenas o sentimento em massa de conformação e inevitabilidade da dominação das grandes empresas e o conseqüente extermínio de qualquer forma de individualidade.
            Ainda existem diversas outras explicações para os motivos que levam alguém a tatuar uma logo, no mínimo uma para filósofo, sociólogo, psicólogo e antropólogo que já desenvolveu qualquer teoria sobre o Homo sapiens, e eu não ouso dizer que apenas uma delas estaria correta. Mas e você?

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